João Carlos M. Madail

Carros populares na contramão

João Carlos M. Madail
Economista, professor, pesquisador e diretor da ACP
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Nos anos 90 os automóveis brasileiros foram considerados "carroças" pelo então presidente Collor de Mello, ao serem comparados aos americanos ou europeus. Ele tinha razão, já que na época o Brasil estava fechado para o mundo desenvolvido e a importação era praticamente proibida, com as montadoras impedidas de utilizar máquinas computadorizadas e importar peças informatizadas para seus veículos. Era a tecnologia que assegurava o grande diferencial da produção internacional, com significativa distância em relação os carros produzidos no Brasil.

Atualmente, mesmo com os avanços na fabricação de carros no País, os diferenciais em relação aos produzidos nos Estados Unidos, Japão e outros continuam. Os carros vendidos nos Estados Unidos são mais baratos, o que permite trocar com uma frequência maior que no Brasil. Além do mais, os tributos para veículos nacionais variam de 30% a 48%, sendo muitos deles incidentes em cascata, ou seja, são recolhidos por todos os elos da cadeia, da indústria até o consumidor, o que faz com que sejam pagos tributos sobre tributos. Especificamente para a aquisição de veículos, as taxas são: ICMS, IPI, Cofins e PIS, além do IPVA, seguro (opcional), licenciamento e seguro obrigatório que pode retornar.

Recriar o carro popular com redução dos avanços tecnológicos e conforto em relação aos atuais, mesmo com redução da carga tributária, é um retrocesso que só ocorrerá por aqui, até mesmo por estarmos inseridos nos mercados do mundo e das principais tendências tecnológicas. Antes de se pensar em aumentar o número de carros nas carentes rodovias ou até mesmo nos espaços urbanos das cidades, se deveria pensar no transporte coletivo. Rodoviários, ferroviários ou lacustres, com vantagens sobre a queima de petróleo, poluição e os acidentes de trânsito que custam uma fortuna ao Estado. No total, seria uma grande economia, com vantagens para a natureza e um benefício coletivo. Afinal, em mais de cem cidades do mundo afora, o transporte público é gratuito. País desenvolvido não é aquele em que os pobres andam de carro, mas onde os ricos andam nos coletivos.

Já que o governo está disposto a relançar a ideia do carro popular, cabe a lembrança histórica do que já foi feito, aproveitar os acertos e evitar os mesmos erros do passado não tão distante. Quando se fala em recriar e relançar o carro popular no País, é preciso saber, também, quem vai abrir mão do quê e quais serão as consequências. É certo que, no cenário atual, será bem mais difícil convencer qualquer uma das partes a abrir mão de receitas. As matrizes das fabricantes de veículos não aceitarão reduzir receitas ou arcar com prejuízos por atuar num País de economia altamente instável. Mesmo sendo o Brasil um dos dez maiores mercados do mundo, mas um dos menores dentre os maiores, no qual não faz mais sentido empatar capital no momento em que e necessário investir bilhões em novas tecnologias de transição energética.

Do lado do governo, este tem pouca ou nenhuma margem para reduzir impostos sobre veículos. O IPI dos carros 1.0 está fixado em 5,27% desde a última redução do tributo em 2022. É percentual já bastante baixo, visto que a reforma tributária em construção tende a eliminar este imposto. Os estados também não aceitarão sequer discutir a redução de ICMS, em torno de 12%. Se ninguém pode abrir mão de receitas, o que sobra é depenar os carros para torná-los mais baratos, o que certamente não atrairá possíveis consumidores. Ou, então, as indústrias certamente voltarão a cobrar pelos acessórios comumente utilizados nos atuais modelos, como protetor de cárter, tapetes, direção hidráulica, levantadores de vidros, travas e ajustes dos retrovisores, que retrocederão no tempo, voltando a serem manuais, sem considerar outras tecnologias avançadas como som e multimídia.

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